OLHANDO PARA FRENTE E ANDANDO PARA TRÁS

Aumento da mortalidade infantil, piora dos indicadores de saúde, ressurgimento de vazios assistenciais: os efeitos do congelamento de gastos foram discutidos por pesquisadores em um debate acompanhado pelo Outra Saúde. Não é como se estivéssemos caminhando em meio ao desconhecido. Afinal, já se sabe que países que adotaram políticas de austeridade tiveram aumento nas doenças crônico-degenerativas e infectocontagiosas, nos suicídios e no abuso de drogas, como lembrou Isabela Santos, da Fiocruz. Também não é como se faltassem alternativas para ter mais dinheiro: os economistas Carlos Ocké (Ipea) e Artur Fernandes (Receita Federal) estimaram que o montante perdido em renúncias fiscais foi de quase 12 bilhões em 2015, sendo que 8 bilhões foram só renúncias para o pagamento de planos de saúde. 

É justamente o mercado de planos que, nos 30 anos do SUS, tem aparecido o tempo todo como solução para a crise do sistema. O debate mostrou não apenas que os argumentos são falaciosos mas, também, que é preciso mais cuidado ao estudar o setor privado, hoje muito mais complexo. 

CLÍNICA NO ZAP

Foram cinco meses acompanhando brasileiras que, sem acesso a aborto seguro, buscam apoio, orientação e medicamentos abortivos em um grupo de whatsapp. O resultado da investigação está na matéria de Nathalia Passarinho, na BBC. O grupo tem 90 mulheres, uma administradora que vende e envia remédios pelos correios e outras que, segundo o texto, servem como "guias" do aborto, instruindo por áudios, vídeos e mensagens as mulheres durante o procedimento. A repórter acompanhou histórias fortes, como a de uma mulher que, mesmo vítima de estupro, não buscou o aborto legal por "medo e vergonha". Cerca de 20 novas grávidas entram no grupo a cada mês e, segundo uma das administradoras, foram 300 abortos em três anos. Quem aborta corre o risco de ser presa, e quem vende os remédios também. 

Nathalia entrevistou a coordenadora do grupo, que tem 24 anos e decidiu abrir a 'clínica virtual' depois de ser estuprada e engravidar aos 19 anos. Os medicamentos são vendidos por 900 a 1,5 mil reais, e parte do dinheiro serve para doar pílulas a quem não pode pagar. Profissionais de saúde ouvidas pela reportagem comentam o perigo no procedimento, inclusive pela alta dosagem do remédio recomendada - seria uma precaução, já que essas mulheres não têm possibilidade de fazer os procedimentos nos hospitais. 

Em dez anos, a procura na internet por métodos abortivos dobrou no mundo tudo, diz outra matéria da BBC. Em países com leis mais duras, a procura é dez vezes maior. 

ALGO A SE PENSAR

Há um ano a Anvisa aprovou no Brasil medicamentos para a chamada Profilaxia Pré-Exposição (PrEP), um tratamento preventivo contra o HIV baseado no uso contínuo de pílulas. Ela reduz o risco da infecção em 90% é usada na rede pública da Austrália desde 2016. A agora, um estudo publicado na Lancet HIV que acompanhou 17 mil homens gays ou bissexuais em duas grandes cidades daquele país trouxe preocupação. É que, embora se indique que a PrEP seja acompanhada do uso da camisinha, os resultados mostram grande aumento do número de relações sem preservativos por lá.

O número de homens tomando esses medicamentos cresceu de 2% para 24% entre 2013 e 2017; no mesmo período, a proporção de homens fazendo a PrEP que relataram sexo casual sem proteção pulou de 1% para 16%.  E o pior é que a taxa aumentou também entre os que não usam os remédios: de 30% para 39%. No Guardian, pesquisadores de dentro e de fora do estudo dizem que é preciso ter cautela com os números, que não indicam necessariamente essa relação direta entre a PrEP e a falta de cuidado, porque o uso de camisinha já vem diminuindo há uma década, e doenças como gonorreia e sífilis vêm ganhando força de novo desde antes da existência das pílulas. Deborah Gold, do National Aids Trust no Reino Unido, lembra inclusive que o uso de camisinha costuma ser significativamente maior entre homens gays e bissexuais do que na população heterossexuais. 

Por aqui, na Folha, as fontes ouvidas por Claudia Collucci indicam que é preciso reforçar a importância da camisinha, tanto porque pode haver vírus resistentes ao medicamento como por causa de outras DSTs. E o infectologista Esper Kallas diz que a diminuição das infecções por HIV é bem mais importante que a diminuição do uso do preservativo. A Época já tinha publicado uma reportagem sobre esse tipo de risco da PrEP, e divulgamos nesta newsletter a polêmica que ela rendeu, por linkar a PrEP ao abandono do preservativo e por focar homens gays, reforçando estigmas. 


NOVOS CAPÍTULOS

Já faz um tempo que está sob investigação a Fundação Bio Rio. Privada e sem fins lucrativos, ela tem convênios com o município do Rio para a capacitação de médicos do SUS. No fim de maio, a polícia civil cumpriu 27 mandatos de busca e apreensão e, ontem, foram cumpridos mais dois mandatos contra acusados de desviar dinheiro da saúde pública: Simone Amaral da Silva Cruz e Luiz Eduardo Cruz. O MP diz que foram desviados mais de R$ 6 milhões entre 2014 e 2015.

Já em São Paulo, a OS Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina firmou contratos de R$ 18,9 milhões com sete empresas terceirizadas que têm servidores públicos como sócios. É irregular: servidores não podem ser sócios de empresas que prestem serviços ao poder público, diz a matéria de Rodrigo Gomes, na Rede Brasil Atual. O caso está sendo investigado pela CPI das OS no estado.

Enquanto isso, um manifesto em defesa das OS foi lançado pelo Ibross (que representa essas organizações da saúde) e pelo Abraosc (da cultura). "O modelo de OS é mais transparente e permite um controle social mais efetivo", dizem as entidades.

DEMISSÃO

O presidente interino da ANS, Leandro Fonseca, pediu demissão depois que o Ministério da Saúde indicou à direção da agência Davidson Tolentino de Almeida, que é alvo de investigações na Lava-jato. Fonseca deixa a presidência, mas segue como diretor.


FAZ DE CONTA

"Trinta anos depois, e com a proximidade de novas eleições, é obrigatório perguntar se o pacto firmado em torno do direito universal à saúde foi um equívoco ou se não efetivá-lo é um erro. Como a pergunta não tem resposta fácil, a tendência é enrolar. Melhor se declarar totalmente adepto de um SUS eterna promessa — que um dia será e nunca é cumprida em tal ou qual governo — do que encarar a realidade. O fazer de conta impede que as boas ideias e experiências que circulam sobre a organização de sistemas de saúde sejam incorporadas. Falta um monte de dinheiro para a saúde pública, e a privatização, que só beneficia empresários, não é solução para o Brasil, especialmente para quem precisa de atendimento". Da sanitarista Ligia Bahia, em coluna no Globo


CONTRADIÇÕES EVIDENTES

"A crise dos combustíveis expôs como o nosso sistema agroalimentar é extremamente frágil": Irene Cardoso, professora da Universidade Federal de Viçosa, fala sobre o esvaziamento das políticas públicas para agroecologia e agricultura familiar nesta entrevista a André Antunes, da EPSJV/Fiocruz. Além de falar do Pacote do Veneno e da necessária Política Nacional de Redução de Agrotóxicos, ela comenta várias contradições do nosso modelo alimentar, desde a produção até o transporte e distribuição dos produtos. Um dos resultados é uma homogeneização da alimentação - em vez de fortalecermos o consumo das culturas locais, o que se faz é transportar as mesmas mercadorias por todo o Brasil. Por que onde não se produz maçã as pessoas têm que comer maçã? Por que onde não se produz trigo é preciso comer pão de trigo?


ZIKA: PODE SER PIOR

A infecção pode trazer grandes problemas para bebês mesmo que não aconteça durante a gestação, diz um estudo feito por cientistas da UFRJ, Unifesp e do Instituto Estadual do Cérebro Paulo Niemeyer. Eles fizeram testes em camundongos e mostraram que, quando aconteceu logo após o nascimento, a infecção reduziu a força muscular permanentemente, provocou crises epiléticas no curto prazo e aumentou a chance de ter essas crises no futuro. Dos bichos infectados, 40% morreram, e os sobreviventes tinham menor peso e tamanho cerebral. E, mesmo depois de adultos, os camundongos ainda tinham alta quantidade de material genético do vírus, indicando que os danos podem se estender até essa fase da vida.

EBOLA

O número de casos na República Democrática do Congo aumentou. São 56 casos e 25 mortes, e foram aprovados novos medicamentos.